domingo, 27 de outubro de 2019

no verão vamos à praia

atiramos palavras uns aos outros. vemos a bola com a astúcia das peladinhas na ponta da língua. somos os senhores da palavra. das palavras atiradas. arremessadas. argumentos. jumentos. as palavras de dicionário. as ordinárias ditas formalmente. as ordinárias ordinariamente. pegamo-nos uns com os outros como o vizinho bate a vassoura e depois cruza o olhar com desdém... mas com respeitinho. as caras de mau que nos parecem atrás das palavras de ordem. as caras com o rabinho entre as pernas. o maluco mora ao lado e nós não nos estamos para chatear. mas podemos... nós é que não queremos (levar no focinho... ou no canastro para ser formal). todos falhamos a análise. todos rebatemos com o erro de percepção do outro. todos erramos uma palavra mesmo tendo estudado latim (mesmo com isso termos crescido para advogados. é um exemplo. ou críticos profissionais. é outro. ou críticos dos críticos. é ainda outro. ou apenas mais um cansado desta porra toda!). mais um jogo péssimo. mais um dia difícil para quem trabalha. mais um dia sem magia. falta-nos a magia. falta-nos a crença. falta acreditar em nós. não naquele ideal de promotores de bem-estar plástico. nem como o plástico em lixo do record da coca-cola. não nessa dimensão duma legião de seguidores. não. acreditar com reverência. ter um deus. ter uma magia para acreditar. um pai natal para nos levar de trenó até ao natal. poder estar só mas sentir que há harmonia. falta tudo. falta saber perdoar e não falar tanto sobre isso. jantar a sopa e ouvir o descalabro. não apimentar a sopa. deixar a ignorância ter palavras e silêncios. porque no final já ninguém se lembra da última teima. da última disputa que nos faz senhores da palavra e mais sós no alto do nosso monte de sabedoria e ignorância. lá em baixo no vale corre o bom senso para o mar. no verão vamos à praia.

domingo, 20 de outubro de 2019

longitudinal

encosto-me neste
canto pensando
como este livro
do meu lado descansa.
conhecimento
e eu amor.
menos de conhecimento
meu ao amor
do que o seu próprio
conhecimento.
e eu descanso
pensando porque esta
companhia
- ainda que reservada
ao seu actual "silêncio"-
me faz abraço.
acolhimento.
afago.

vejo-te ao longe
e não conheço nada
de ti.
eu tão pouco de mim.
- algo em comum, sim -

cai o dia no mesmo
limiar.
atravessa a mesma
longitude.
e tu tudo.
tudo o que eu desconheço.
tenho um fraco
pelo o que não tenho
no conhecimento.
como este livro
aqui ao lado
e tu no mesmo lado
desta distância.
uma onda que revolve.
devolve a proximidade
com essa distância.
longitudinal.

sábado, 19 de outubro de 2019

meu céu

não sei o que é
esse amor de novela.
não sei convencer-me
nem sequer comover-me
com esse sentimento
que se sela
e se envia
de uma terra
para a outra.
de um planeta
para uma estrela.
de uma ânsia
de estância turística
onde o prazer
se dá enquanto se lá está.
e lá está,
não sei nada desse amor
se é que sei alguma
coisa de amor.
sei que não sei
amar
como os demais
e que estar só
não é estar sem amor.
pelo menos desse
que se fala.
que se vive na tela.
no telefone.
sozinho não é novela,
é de estar com alguém
que não nos consome,
que se revela
ser amante
do mesmo nome
da mesma terra
do mesmo sentimento.
Sedimento de propor-me
ao meu chão
e ao meu céu
sem estrela de enviar
mas universo de prostrar.
palavra simples
de ser a velhice de mim
e o sempre para todos.
amar ninguém tanto
como sei amar todos
como o céu todo
que e o teto da minha casa.
tudo vem
e tudo passa.
fico aqui
onde tudo rechassa
e no meu céu se guarda.
dou graças.
dou-me guarda.

sorrir por sorrir

pedem-me para
pôr um sorriso na cara.
desenvolvem histórias
e artifícios de vida
para se compararem
ao sucesso
e aos sorrisos dos demais.
pois também gosto
de ter a minha cara
fechada
e chorar quando devo.
gosto de sorrir depois
dos funerais.
gosto de não partilhar
as minhas felicidades.
adoro não tirar todas
as fotografias
e guardar memória de tudo.
até dos dias sem sorriso.
um dia se morrer
que tenha de ser por
tudo o que passei
e sem grandes arrependimentos.
deve ser doloroso
morrer com mais coisas
por resolver
do que algum sorriso
que nos fique bem no caixão
aberto.
não quero falar de felicidade
se tenho tanta coisa
para fazer.

domingo, 13 de outubro de 2019

cartas perdidas no correio do passado

hoje apaixonei-me de novo por ti. no olhar ficou o reflexo do meu. como posso eu ficar tão belo? como as tuas curvas me fazem a mulher mais bela do mundo? sexo não é o meu desejo de te ter... é estar dentro de ti e sentir o que é seres tu.

[...]
queria ter-te amado esse corpo todo. beijar-te até que amasses ser beijada de novo. explodires em fogo de artifício repetidos em quarto sem tecto. o céu era teu. as estrelas nossas. e a cama festejo de ti. beijos

Desaparecimento

despeço-me.
despeito
e ignorância
de saber melhor
de saber fazer melhor.
grito engolido
até às profundezas
do desaparecimento
à morte desta loucura
que nos assola.
não há amor que console
e esperança que se mantenha
vertical.
cai tudo por terra
mal se ajoelhe.
reza perdida no barulho
das notícias.
dor e ódio.
corropio de nadas
e inferioridade
da tentativa.
morrem tantos
e tantos que assim
ficam vivos.
de joelhos.
de pé.
dependurados.
está tudo acabado
e eu não sei quem sou.

quinta-feira, 10 de outubro de 2019

universo meu tem

mas eu estou aqui.
olha!
olhem!
(grito... salto)
nada.
de tempos
a tempos desapareço.
não faço aqui
nem ali o que seja.
desaparecido
e sem ninguém para
me reaver.
acho que estes devem
ser os gritos de medo
que na velhice
se ficam pelas paredes
solitárias dos seus quartos.
a morte a se avizinhar
e ninguém para nos
ouvir.
será que fizemos tudo
mal antes?
será que este é o aviso
para me encontrar
na solidão?
pois não olhem!
não estou a gritar
mesmo que tenha tanto
de velho
como de gaiato.
grito com a boca do universo.
quero o seu eco
e tudo o que acho que mereço
de bem.
vem!
e se me ouvires,
vem!
vem universo
que tudo de meu
tem!

quarta-feira, 9 de outubro de 2019

A poesia dos outros

Perco-me na poesia
dos outros
mas por instantes apenas.
A luta pelo amor
é uma fantasia
que rasga de repente
em sangue e desprazer.
Despeito, destino
ou de nada dizer.
Tenho silêncio
porque sou um túmulo
dos amores.
Um sobrevivente das histórias
que deleitam o coração.
Que dinamitam
como uma oração
a fé num incrédulo.
E no entanto estou mais
vivo,
convicto que trato
de qualquer peito
amachucado
com alguma razão
e outro tanto de desapego.
Vem sem medo
se vens ao abrigo
da esperança.
Dança comigo mesmo
que ao passo
não te enfeites
e ao meu lado te deites.
Dancemos pois
enquanto a canção
não se esqueça de nós.

segunda-feira, 7 de outubro de 2019

tempo destemperado

és o meu contra-luz
de verão,
meu "contra-verão"
que o outono produz.
o tempo anda louco
com os loucos de nós
que o pusémos assim.
e no fim
o que se induz
é que ficamos loucos
do tempo estar
destempado.
destemperado.
raia o sol
quase doutro lado.
fugi como quem
tenha para o outro
lado do mundo voado.
à velocidade da luz
à velocidade insanado
ah velocidade
destravada!
páro com isto.
travo a fundo
e fico aqui parado.
até chegar mais um outono
e outro inverno já aqui
ao lado.
e o tempo vai veloz
por mim travado.
e não pára e eu
de novo envelheço.
despeço-me como
o sol no leito do mar
ali deitado.
venha o tempo então!
venha melhor qualificado.

terça-feira, 1 de outubro de 2019

Pé de Vento

fico sem vontade
de escrever.
tanta palavra mal gasta
tanta palavra cara
dada ao desbarato
tanta palavra a mais
correndo à apreciação.
o meu medo era este.
escrever para a atenção.
solidão exposta por aí
sem dar vazão
à paz que escapa.
escrevo como a reza
antes de dormir
e como masturbação.
carta endereçada ao seio
do coração.
às vezes mais seio
mais mama
outras mais peito
mais coração.
mas é palavra que ganha vida
na visão doutros.
deixa de ser minha
para passar a ser obra
ou apenas nota de rodapé.
mas para a fé,
alguma,
pouca,
que faça a alma inquieta
a mente mais desperta
ganhar pé
altitude
e profundidade.
há-de haver um dia
que escreverei tão bem
que possa desistir da atenção.
(cada vez que escrevo
parto dessa intenção).