sexta-feira, 30 de março de 2018

Tento na língua

Esta instabilidade
Que me persegue,
Que se apercebe
Da minha intempérie e
Que se abate
Na corrida que o sangue
Comete.
Sou sangue de fogo
Desde sempre.
Desde que me compete
Suportar o que
No peito e no desejo
Se remete.
Remato com um
Simples trato
Sobre os quais
me abato.
Cacto no deserto
Aberto.
Sangue que jorra
A céu aberto
E tu não estás por perto.
Deserto.
Sangro labaredas
E digo merdas
Sem jeito.
Sem preceito
Sem que precise
De contar direito.
Agarrados vamos
Ao nunca
E a um dia.
Que vida!
Que viva e que passe
Até que morra
Sem cá passar.
Sem cá voltar
A ser o que queria ser.
Já não me compete
Ser sangue morno.
Ardo até queimar desertos.
Deserto.
Nem que nem
Fique satisfeito.
Só por perto
E falta de tento.
Aberto.
Sangue pisado
E fogo convicto.
Isso é certo
E ainda para mais
Por ser errado.
Por perto.
Tento.

VAz Dias
#palavradejorge

domingo, 25 de março de 2018

Domingo Acabou

Páro no canto
Do círculo
Onde tudo se movimenta.
Um pastor é cantado
Na rádio enquanto
No mural
Da centrifugação
Os pastorinhos
Imitam o movimento.
Pede-se para que no ar
O programa se eternize
Em nome de Deus.
Os pastores
Centram-se
Num mundo que não pára.
Deus está no centro
E ninguém quer saber.
E chora o acordeão
E uma barca
Arde em alto-mar.
Ninguém quer saber
E outros
- como eu -
Apenas olham
Sem tocar
A estórias a se fazerem.
Se Deus me quis poeta
Tirou-me as mãos
Para parar.
Para os parar.
Só escrevo
Enquanto olho.
Que Deus me livre
E na rádio despedem-se
Como se Ele acabasse.
E na roda viva
Morre mais um pouco
De nós.
Nem um muro para lamentar
Porque se está de passagem
Para o outro lado.
Domingo acabou.
Acabou...

VAz Dias
#palavradejorge

terça-feira, 20 de março de 2018

Ruídos Acometidos

Noites que se calam
Do ruído por nós
Acometido.
Cansa-se a alma
Das almas ainda
Perdidas.
Ou despidas ainda
De algum propósito.
Somos o depósito
Das esperanças
E da descontinuidade.

Já não sei qual é
A minha idade.
Se o amor deles
Tem termo de identidade
E se sou eu
Que ainda decido
Ser um impecilho.
Dono da noite
Por outros perdidos.
Ficam os desamores
Que afugentam
A tenebrosa repetição.
Fugimos da lenta
Morte
E dessa mesma exactidão.

Onde fomos feitos
E porque se brilharam
Os olhos?

E morrem os amantes
Com o tempo.
Uns perderam-se
E outros multiplicaram-se
Para agora sonharem.

Morrem-me os sonhos
Se não houver
Silhueta de encantamentos.
Os contra-tempos
De aqui termos sido
Os mesmos.
Juntos, perdermo-nos...

VAz Dias
#palavradejorge

segunda-feira, 19 de março de 2018

Conversas Interrompidas

Teríamos tido tempo
Para nos despedirmos
Se nunca fomos
Feitos de encontros?
Quando saíste
Cheguei atrasado
E o adeus
A Deus pertence.
Ou o reencontro.
Não sou o mais devoto,
Mas pronto!
Talvez o tempo que estivemos
E em que me permitiste Ser
Permitiu-me ser
Mais do que sou.
Não somos tanto
Quanto deveríamos ser
Quando existem.
Desencontramo-nos
E aí,
Ou com a saudade,
Vem a nossa própria
Idade
Pedir as conversas
Que nunca mais
Acontecerão.
Ficam as da nossa
Paternidade
E das coisas como são.
Saudade vale.
Ah se vale!
Ficamos com as conversas
Que foram
E outras tantas
Como deveriam.
As importantes no coração
Onde cabes tu
E as conversas de pai.
Acontecerão
Como aconteceram.
Vamo-nos vendo por aí
Ou encontrando.
Como deverão.

VAz Dias
#palavradejorge

sábado, 17 de março de 2018

Devagar e de veludo

Quando baixamos
A intensidade das luzes
Despimo-nos
Mais do que da pele
Nua.
Nelas gritam
Os medos mas a vontade
De se ser de veludo.
Da música que não existe
Tocar baixo durante
A dança dos corpos.
Parecer ter tudo
Desprovidos de quase nada.
Deixar que as vontades
Se façam penumbra
E essa ser a luz
Que mais alumia.
De mansinho
E de veludo.
Devagarinho.

VAz Dias
#palavradejorge

terça-feira, 13 de março de 2018

Memórias Perdidas

Ficariam sempre num impasse.
Parece que por
Mais que alguém
Se gostasse
Os destinos cruzavam-se
À revelia.
Uma confeitaria
De sabores que amargavam
E confetis de carnavais
Passados
Auguravam as festas
Em que não participaram
Juntos.
Nus são os quadros
Que nunca se pintaram
Por não haver
Tons de pele.
Gazelas que saltavam
Na memória da natureza
De um
Ao passo que do outro lado
Um objectivo configurado
De oriente,
De ser obediente
Ao acerto
Não pintava adjectivos
A ambos adjacentes.
Incoerentes,
Porém presentes
Na distância conivente
Perdiam-se de amores.
Melhor...
Perdiam-se!

VAz Dias
#palavradejorge

terça-feira, 6 de março de 2018

Como é o Amor Capaz?


O mundo está doido
Amor,
E tu porque existes,
Porque decidiste
Deter-te por aqui
Sorris
E sabes dele ser assim.
Aceitas com paz
A guerra toda
Que desfaz a moral.
E tu mantém-la,
Como a única razão
Para a reduzir
Nos olhos
De quem tanto te quer
Como de ti própria.
Morreste um dia
Das guerras do ser
E conheci-te assim
Sobrevivente
No âmago da tranquilidade.
Fazes ser
Este louco
Lutador da enfermidade
Do mundo
Um novo morador
Trovador
Da boa vontade
E da fé
Até no pior de nós.
A tua voz
Não julga
Como a minha critica.
Queria perceber
E tu deixas acontecer.
Acreditas num mundo
Melhor
E eu nasço
Para essa tua visão.
Amor, como se faz
Para aceitar a guerra
Com esse coração?
Como se dá amor
Com essa vívida
Resignação?
Como é o amor capaz?

VAz Dias
#palavradejorge

sábado, 3 de março de 2018

Exigentes do polyester


Há este sentimento
Que tudo está mal
Que tudo não é suficiente
Do excesso
A que nos fomos
Acomodando.
Incomodados no entanto.
Alguns esqueceram-se
De como era
E outros chegaram
Aqui já assim.
Exigentes com o polyester.

Coisas que sonhávamos
Ter
E chegaram.
E senhoriais
Abastados de lata
Exigimos mais do
Que a felicidade.
A facilidade
E todo o seu complexo.
Reflexo
De tudo ter
E nada ser suficiente.

Há sinais de que nem
O Amor
Para esses que não
Se compadecem.
Ter a perfeição
Da chatice
Ou chatice da perfeição.

Andamos para aqui a
Mais neste planeta.
A fazer parecer fácil
Os recursos
Não se esgotarem.
Esgotamos
E culpamos os outros.
Esses outros
Exigentes que nos
Atiram a sua moralidade
De volta.
A sua normalidade
Da nossa normalidade
Dos nossos
Achaques ping-pong.

Que sono!
Que vontade!
Que magro!
Que obesidade!
Enfermidade agora
E saúde relativa
Daqui a bocado.
Não estamos bem
Quietos.
Só estamos bem
Repletos
De tudo
Que não sabe a nada.

Somos boquiabertos
E exigentes do polyester.

VAz Dias
#palavradejorge