quinta-feira, 29 de novembro de 2018

Descontínuo

estou perdido
neste nosso Sempre.
sabendo de início
que tudo seria
possível
e que tudo
é efemero.
e lançámo-nos.
fomos corajosos
em nos juntarmos
das extremidades
em que nos conhecemos.

e nunca fomos estranhos.
e nunca desdenhámos
a possibilidade
de o fazermos em
conjunto.

mas ganhámos
ao tempo,
à velhice
e quiçá,
à intemporalidade.

protelámos.
protelámos com o dever
de fazer o outro
melhor
e assim foi.
foste melhor
nesse aspecto
e eu seria tão bom
no sempre
e mais além.
no além-sofrimento
de que te resguardei.

sei que ninguém
morre por amor.
sobrevivemos
e alcançamo-nos
sempre mais lá
adiante.
mesmo nos olhos
dos outros
que te façam
melhor.
que te façam
como desejas.
como mereces.

e depois desapareço
para dar lugar
a nós mais
do que nós
num suspiro
(tão superlativo
quanto infindável).
como aquele
primeiro beijo...
aquele nosso
primeiro
beijo.

segunda-feira, 26 de novembro de 2018

Do fim da vida

acabou-se!
terminou tudo
isto.
não há virtude
nem virtuosismo.
nem existe
vontade de iniciar.
acabou-se o que dá
lugar à poesia.
o que a poesia
pode fazer
por mim.
por eles.

acabou-se o placebo
e o cancro.
estávamos
nos paleativos
e todos franziam
a testa.
"É o que resta!
É desta..."

acabou-se
e não posso pôr um
fim.
tenho uma dívida
com a vida.
com a esperança.
com o amor
(que não conheço)
- só conheço o amor
do fim -
e o da outra vida.

acabou a minha
veia poética
da vida deste lado.

vou escrever
para a beira dos mortos.
dissecar o que perderam
e o que ganharam.
perguntar se o amor
lhes valeu
a vida.

e no canto da cama
deitada
ainda com vida
vives ali em mim
despida.
sem um beijo
de despedida
e um filho.

um filho da mãe
um filho de mim
e uma morte
assistida.
vale uma vida.

fim

domingo, 25 de novembro de 2018

[um zero]

[um zero]
ou a equivalência
de um ser
nada ser.

ou ser tudo
num todo
que nada parece
ser.

um no meio
da multidão
amado
até à invisibilidade.

perdido no meio
de todos
os que queria.

perdido porque
era ali que se encontrava.

por vezes lá
voltava ele.
a ser mais um da multidão
tão igual
como perdido
de si.

]zero um[

a importância de ser calado

calei

        -me

na distância
a que me remeto
de a mim
para me ver.

calei

        -me

na ignorância
em que me desconheço
por em ti
me ver.

falei

calei

        -me

padeço

             ... morri.

sexta-feira, 23 de novembro de 2018

era [1vez] em...

ouvi um fado tocado.
era numa guitarra de blues
com a tristeza
de um mar de lés
a lés.
na única terra onde
um português não colocou
pela primeira vez
os pés.
mas também tinha
balanço de havaiana
e da ternura dum
recém-nascido que dorme.
choro de alegria
do retorno
a quem fomos
numa terra que
não é nossa.
era uma vez Portugal
e tudo
que de outros
lados se produziu
em remessa.
fizemos tudo à pressa.
fizemos tudo à pressa.
só que ficou o fado
em todo lado
mesmo em quem
não sabia.
tão grandes com
tão pouco
tão pequenos
perdidos
em cada porto.
era uma vez
amor
que deu para o torto.
um rectângulo
quase certo
e desviado
a nordeste.
safamo-nos
da peste
mas ficámos
com isto.
com este
"Era uma vez
Portugal"
e tudo o que poderia
correr bem
do que não correu tão
mal.
amor de um fado
universal.
nosso tão malfadado
amor e tal.

terça-feira, 20 de novembro de 2018

Luz Fria

não vou deixar
que o mal do mundo
- do meu mundo -
me convença que sou
mau.
sou sim, pequeno.
ínfimo.
diferente.
e pode vir o fim
dos tempos levar-me.
mas
não vou deixar
que me mude
mais do que já mudei.
se é o karma
que me lançou um mau-
olhado.
se foi meio mundo
que mo lançou
ou se foi só o karma
a ser si próprio...
que me interrompa.
mas nem morto
estarei calado.
nasci desbocado
morrerei desbragado.
se nasci para errar
cá andarei errante
até que acabe.
sou só isto.
orgulho de poeira
cósmica.
cospe-me para a atmosfera
e eu voarei.
serei estrela do nada
e verão que brilho
mais que um pirilampo
em tempo de acasalamento.
luz fria do meu
invento
e do meu desmembramento.
sou pequeno...
lamento.

segunda-feira, 19 de novembro de 2018

auto recato

vi estes traços

- cicatrizes do tempo -

fazerem-se uma vida
até este momento,
num suspiro de segundo.

morre-se no olhar,
daquilo que se deixou
para trás.
confundo-me com um garoto
e com o velho
que em mim habita
como destino último.

se não morrer mais
e definitivamente.

domingo, 18 de novembro de 2018

a Empatia

saí.
fui
para não sucumbir
ao desprazer
de te fazer só.
de te fazer
sentir menos.
a puta da empatia
com que nasci
me fez assim.
só posso ser pouco
para não sentir
tanto esse mal
do mundo.
saí.
fui
perder-me em palavras
onde mais
me encontro.
sou mais empático
com palavras.
e mesmo
quando me calo
no escuro
elas vêm
para me lembrar
a puta da empatia.
eram para ti
e é o que há.
como nada
num domingo
choroso
que cumpre
as despesas
por mim.
é isso.
a culpa é da chuva
que cinzenta
é mais empática
do que...
do que...

não interessa...

nunca interessa.
fica a empatia para
contar a história
do cinza
que cobre
as palavras.

sábado, 17 de novembro de 2018

reza pequena

são os sons.
os pequenos movimentos
que eles perpetuam
numa onda.
uma torrente contínua.
um deus que aceitámos
depois de conhecermos
deus.
o pecado de ser feliz
com um bocado.
a infelicidade de ser apenas
isto
e isto ser tudo.
uma onda que expande
o som como
espírito
perpétuo.
amém.

segunda-feira, 12 de novembro de 2018

À segunda as dores doem mais

Como das dores
Que me apanham
As costas
A nuca
E o céu da boca.
É assim que as palavras
De conforto me saem
À dor de não te ser
Completo.
Mas sou até ao presente
Momento.
Mas não te completo.
- um problema de todos
os amores, julgo -

E carrego essa cruz
De culpa antes de a ter
Ou mesmo de me ser
Atribuída.

Já sabia antes de saber
E a idade veio
Assinalar.
Com todas as quebras
As frustrações
A morte.

Sobrevivi
Com traços do tempo.
Facilitei à vista de todos
Como da minha.
E agora só sinto
Terrivelmente
A dor dos outros.

E de ti, só de ti,
Porque não sei fazer
Ninguém inteiramente
Feliz
Como eu não sou inteiro.
- não me acho despedaçado
e remendado -
Mas não cresci tudo.
Ou talvez sim
E já sou mais velho
Do que de mim.

Amo-te como me amo
A mim
E à minha...
Mas não chega.
Nunca chego a ser
Tempo dos outros
Por ser pouco
De tantos.

sexta-feira, 9 de novembro de 2018

Cinza Viva

Tantos são os que vejo
Sem amor.
Caminhando no deserto.
Andando às voltas
De si e duma nova noção
De felicidade.
A comiseração
A debilidade
A tristeza que escorre
Por tudo e por nada
Pela cara
Directamente
Para um coração sem fundo.
Que já teve tudo
E agora sobrevive
De verticalidade
Quando o corpo só
Quer estar deitado.
Sozinho a tentar saber
De quem é.
Se é.
Se algum dia será
De si próprio
E de alguém...
Ou ninguém.
Choro que fica no meio
Dos papéis do trabalho
Do soluço calado
A meio da noite
[Ou da tarde].
A fogueira que arde
Mas não acalenta
Nem esfria.
Está ali como um tipo
De companhia
Que se esvai
Como o sangue
Que é de um coração
E se engole em si
Infinitamente
Como a dor que não passa.
Um túnel que não acaba.
Um amor
Que trespassa o tempo
Para trás e mata
Mais para a frente.
Carcaça.
Pão que diabo amassou
E ainda faz graça.
O único
Que se conhece
Para além
Da fogueira que se acende,
E vivo,
Lembra-nos que morremos
E somos a cinza
Do fim
E suspiro
Da única luz que ainda
Nos faz acreditar.
Que não morremos
Em vão
E que podemos aspirar
Subir por aí acima
Desse coração.
Desse fim
Que tudo pode
Trazer de novo.
Renascer das cinzas
Da fogueira de um diabo
E da fome
Que um dia se engoliu
Desse mesmo coração.

quinta-feira, 8 de novembro de 2018

Mata Mundi

Cresce um tumulto em mim.
Um horror ao degradante mundo
Dos governantes
E do poder que toma
Conta da mente
De quem toma conta de nós.
Fujo.
Vou para onde está
A nossa mais animalesca
Forma de estar
Mas sem matar.
Pelo contrário.
Cobrir a terra de caça
Ao amanhã.
À sobrevivência
Pela sobrevivência
Dos nossos iguais.
Fujo.
Para perto dos nossos.
Dos ossos
E os mortos
E os poucos que restam
Vivos.
Dos que como nós
Só vêem igualdade
E razão de viver.
De amar
Para além do fim.
Fujo
Para dentro de mim
Esperando que a poesia
Me salve.
A carne.
O amor.
Algo de normal
Nos salve.
Que alivie as dores,
Rancores e ódios.
Odes.
Faltam todos
Os amantes
E os poetas
E os meliantes
Às políticas degradantes.
Antes que acabe
Que se ame
Mais um bocado.
Ame-se
Mais.
A todos.
A todos nós!

terça-feira, 6 de novembro de 2018

Pausa

Pausa.
Estar longe de tudo
E os pensamentos
Serem os próximos.
Há proximidade de ti.
A longitude de ti
E latitude de nós.

Pausa.
Pé de dança.
Café que alcança
O nervo que mexe
A imaginação.
(Ou vice-versa)
Temperança.

Pausa.
Nervo.
Conservo a
Aventura de correr
Mundo em mim.
Encontro-nos
Em "bilboards".

Pausa.
Alarme da viagem.
Despertam-se
Os sentidos.
Dois.
Ida e volta.
Pausa.

Pausa
A causa deste
Chorrilho
[Vendaval]
De viagens cruzadas.
Velocidades
Extremas.
Paradas.

Pausa. Passa.
Causa. Caça.

sexta-feira, 2 de novembro de 2018

Ser Mar e Infinito

Há tantos de mim
Que nem sei por vezes
Se me perco de um
Todo desarranjado.
Levo como arrastão
Rede de levar
Peixes de mim.
Lanço-me ao mar
E a viagem faz
O que sou.
Sem uma definição
Sem uma razão de ser já.
Vou sendo tantos
E com gosto
E prazer
E curiosodade.
Aceito um quadrado
Por agora
Mas entretanto
Sou desalinhado
Nas pontas.
Saio a descobrir
Tudo o que já sei
E vejo com novos
Olhos.
As pessoas mudam
As pessoa novas chegam
As velhas ficaram velhas
Mas há delas que são
Sempre como eu
Novas.
(Estas às vezes
Também irreconhecíveis...
Mas sinto-lhes a pele
Nos olhos
E sei que são tão
Iguais
Como diferentes
De mim.
E logo me alegro
E me sinto menos
Só.
Menos só
De um dos de mim.
Gosto de ser
Vários de todos
Porque o meu mundo
Não acaba noutro.
Há universos pelo
Meio
Como mar que se precipita
Em queda da água
E se faz chuva
Noutro mundo
Que se faz mar
Que desaba noutra
Queda.
Um infinito de vida.
Assim serei
Eu como fui
E foram as gerações.
Se morri
Estou aqui vivo
Para ser o arrastão
E o peixe
E a vida
Das vidas
Que ainda não conheci.

quinta-feira, 1 de novembro de 2018

Soma

Estou onde tenho de estar.
Menos famoso
Ou mais íntimo.
Mais meu
E tanto dos meus.
Não tanto assim
Como eu desejaria.
Tomam-me o que não lhes
Desgaste.
E está bem assim.
Sem pena
Nem perdão
De algo a desculpar.
Ser remediado de mim
É melhor
Do que ser um pobre
Rico de tanta coisa vazia.
Nem pobretanas
Da ignorância.
Ser cheio de quase tudo
É a minha mais
Feliz forma de quase ser
Tudo.
Mas hoje chorei
Como a criança que em
Mim sentia essas coisas.
Era a criança ao meu lado
Que ali estava
Como eu.
E do outro lado
A serenidade
Da estupefacção.
Que o gelo derrete
E que o pouco que sai
Não sai tão pouco
Quando multiplicado
De todos.
Derreti-me de tantos
E tantas perdas.
De tantas noites passadas
Com dias perdidos.
Eram a morte
Enquanto sobrevivia.
Odeio os que como eu
São nessa altura.
Odeio resignadamente
Esse de mim.
Esse paternal perdido
De mim.
Essa maternal despojada
De mim.
Sou demasiado pequeno
Num só.
Somado
Pareço ser mais de mim.
Mesmo quando choro
Aos bocados.
Mas hoje chorei
Por inteiro
Com o amor por perto
E eu pequeno
Por distância.
Mas eu em tudo fui
Um pouco maior
Do que a soma das partes.
E sou onde quero
Estar agora.
Neste ínfimo segundo
De todos os segundos
Que sou para todos
Os mundos.