sexta-feira, 30 de agosto de 2019

As Costas do Mar

dar a costas assim

   és inevitavelmente terra onde
poetas se transformam navegantes.

que se convencem aventureiros
e tu apenas mundo

nunca será como dantes
  se é que algum dia o mar foi nosso

mas é sem receio
que os poetas navegam
e eu posso

se nem daqui se aviste um fim
se nem daí visses a profundidade
  de mim.

mas és costas do mundo
e eu poeta sem ser
   mesmo navegante.

se isso permitisse Tudo
  se eu tivesse sido o Antes
se tu tivesses sido Tanto

quinta-feira, 29 de agosto de 2019

Flor de sol, fel e mel

Este silêncio
que corrói
é também o que
prova o fel do mel.
Podemos esperar
pela manhã seguinte
o amor que não
vem
ou apenas o sol
que te leva
ao seu sabor.
Podia ser mel
mas o fel é da espera
do amor que não
vem.
É ser apenas flor
e das suas miudezas
e do que melhor lhe
convém.
Com o tempo
dobramo-nos
ao seu intento
com o sabor
que daí provém.
Seja por assim ser
seja por algum bem.
Seja assim para ti
também.
Flor de sol, fel e mel.

terça-feira, 27 de agosto de 2019

Teu peito Senhora

foi o teu peito
que me quis.
são coisas
simples.
a profundidade
do teu olhar.
e depois o teu peito.
um aperto
um abraço
e no meu peito
o teu.
que desgraça tão
boa.
e que vontade
tão louca de não te
largar.

fica a poesia
e o teu jeito
na heresia
que é a minha
fantasia.

o teu seio
o teu outro seio
o meu aperto.
ter-te por perto.
corpo contra corpo.
fome.
desejo.
desejo que te tome.

o corpo.
o peito.
o seio.
o homem.
a mulher que some.
a oportunidade
não dorme.
há tanta hora

e agora?

toma-me.
com sede.
com fome.
telefona-me.

Cosmo polido

desejámos ser forças
afins?
será que algo nos
quis
e as circunstâncias
inviabilizaram o nosso
abraço comum?
aquele que perduraria
por mais do que sete
segundos.
aquele que revolveria
os mundos
e nos fizesse
voltar desse passado
que nunca foi nosso.
e um presente
seguro num abraço
onde o teu peito
é mulher
e no meu é arrítmico.
sem jeito.
sem promessas.
um peito que descansa
toda a poesia
que foi feita
para ser
e te fizesse de si
guardiã.
e nós um clã
e eu um sonhador.

tenho ganas
de agarrar o momento
mais do que a paz
que nutro do meu
futuro.
e ainda assim sou lento.
e ainda assim
acredito
nessa força afim.
que faço eu
de ti em mim?

inCorpado

não há sangue
platónico.
não há ontem
platónico.
não há platónico
desde que houve
ontem.
desde que decidiste
amanhã
sem mim presente.
decidiste e pronto.
quis-te o corpo
para nada mais
te querer.
nem o platónico
nem o logo
nem o amanhã
nem o ontem.
quis só o corpo
para não resolver
nada.
só a poesia
para ser mais
do que nós.
e no entanto...
e no entretanto.

e agora?

esperei por ti.
em silêncio.
adormeci e não sonhei.
fugi de mim
por minutos.
o que hei de fazer
mais?
a espera não é nossa
nem tudo o que possa
sonhar, te fará
aproximar.
há uma espera que
acossa a minha
destemperada esperança.
mas essa é tão
descontrolada
e fora da minha mão
que não sei.
apenas sei
que largar o controlo
é uma forma de
felicidade.
sem ti e que nos
faz tarde.
mais valeria
enquanto a alma arde
nesta queda livre
de saber
quase nada.
se eu soubesse
tomar mão do que
desejo.
se eu soubesse
tomar conta
do teu desejo.
se eu soubesse
não saber nada.
que viesses agora
porque quisesses.
e agora?

segunda-feira, 26 de agosto de 2019

Senti

nunca mais poderemos
ter mais de cem
anos.
nunca mais seremos
tão jovens como
quando tivemos essa idade.
o adulto que eu era
contigo.
a mulher que eu te
fazia sentir.
a harmomia e a paz.
demasiadas.
eu sou velho
e criança.
sou fogo e calmaria.
sou tanta coisa
e tu sempre a mesma.
e passar-se-ão cem
anos e tu ainda serás
bela.
eu só velho
e com a sentença de ter
a memória de ti
e a acusação de um
arrependimento pendente
em não ter estado contigo
esses cem anos.
espero ver-te feliz
e eu só
com as idades todas
em mim.
sabes, ainda sinto
o teu abraço?!
mesmo sem ti.

domingo, 25 de agosto de 2019

amor finito

vou tentar rimar
amor com paixão.
desalento
com a esperança
vã.
o teu coração
é um desejo
esculpido na carne
que me impele
e no infortúnio
de pouco a lhe querer
para sempre.
do tamanho duma
vida apenas.
e as vidas são curtas
e o infinito demasiado sério
para que eu me atreva
a ser desumano.
a querer-te teria
de ser por um tempo finito.
enquanto a paixão
nos acercasse da velhice das
palavras.
ainda antes de morrermos
dos pensamentos.
que tal rimarmos
amor
com tempo
sem lhe ver a rima?
ainda por cima
eu sou muito novo
de universo
e tu também.
resolvamos isto a bem.
com música
e sem tempo a complicar.
se encontrares infinito
segue-o.
teremos tido sempre
a finitude de tudo
e isso ja é bastante.

Morte aos Poetas

se para alguma
coisa a poesia
serve é para afastar
todas as outras pessoas
a ficarem juntas.
a poesia mata o seu
criador humano
devolvendo-lhe cada
vida que salvou
e desmembra-o
do amor que ficou
para os restantes.
poeta é coveiro
de si próprio
que admira a flor
que ali vive à beira-morte.
vivemos todos
à beira-morte
mas os poetas decoram
as vidas dos outros
enquanto os outros
decoram os versos
morrendo de beleza.
morrendo de tempo.
poeta ama para além
da morte
e sobrevive sem amor.
e o que é o tempo
se o amor nele
não floresce?
cava a terra onde
será larva
e palavra.
alguns, conheço
eu, ainda dão voltas
no túmulo
com essa falta de amor.
são as palavras que ficaram
nos corações
dos que o amam,
nomeadamente
os poetas sobreviventes.
e poucas pessoas
que sabem o
que as palavras pesam
e que o amor leva.

sábado, 24 de agosto de 2019

ausente/diferente

ser diferente.
ser poeta quando
a vergonha reside latente.
a de toda a gente.
alheia.
alheei-me e aleijei-me.
curei-me de diferença
e permanente.
descabelei-me.
dissidente dessa forma
tão residual.
tão igual
e tão igual de diferente.
assumi
perder e até me perder.
perder-me-ia em ti
sabendo que anteriormente
já havera me
escondido em ti.
encontrado em ti.
no desejo.
no prazer.
no encantamento...

deixemos isso agora
ao vento
porque os corpos
se tornaram ausentes.

Canção do Infinito

Toca a guitarra
primeiros acordes.
chicotadas da tua falta.
estalidos na caixa
torácica.
A tua voz é a dela
a minha a tua
e a música ecoa
antes de nós até
ao fim deste mundo.
E está tão perto
e eu sem o teu abraço.
O teu peito
dentro do meu
e o meu compassado
destrói os fascistas
que não nos querem deixar
amar.
Mas não nos tiram
esta canção
e o sorriso de quem adormece
a dois.
De quem sabe
dançar no fogo
e de quem impretrivelmente
jamais morre.
Guarda o teu
peito nas cordas
que de ti me tocam
e me amarram para
além da canção.
Para além do mundo.
Para além de mim.

quinta-feira, 22 de agosto de 2019

Terra Plantada

morre uma árvore
por cada batimento
que te quis.
morre uma floresta
por cada um
que não ama e o diz.
já não sei respirar
desse planeta
que dista
ar do acto de amar.
que o mar inunde
isto e me faça
novo e tu
me voltares a ser terra
plantada à beira-oceano.
não interessa quando
nem ano
interessa é que tenhamos
pelo menos tempo.

quarta-feira, 21 de agosto de 2019

e os nossos filhos?

já não sei rezar.
perdi fé.
perdi a noção de um
criador
e de um salvador.
ganhei a certeza
que somos
como seres humanos
responsáveis pelas
nossas acções.
os justiceiros
e o vilões.
os merecedores
e não de perdão.
por falharmos sem saber
mas depois por
convicção
e matarmos a bel-prazer.
onde há um limite?
é morrermos todos?
é acabarmos com a nossa
raça?
não há empatia.
não há amor.
há desgraça
e por agora para
mim
desesperança.
não vem um cristo
salvar
vem um fim
para cultivar.
está a acabar...
este amor ficou sem ar.
e os nossos filhos?
e os nossos filhos?!
quem os vai salvar?!

terça-feira, 20 de agosto de 2019

parede suja

queremos
tanto gritar esses
silêncios
todos para aqueles
que são mudos
se sintam nossos.
eu deles.
nós nossos.
e andamos a fugir
para isto. estamos
a definhar de gritos
porque nem uns
nem outros
querem ser ouvidos.
"poetas,
isso é Ser vivo?"
não consigo
que me escutes
porque eu também
não sei se quero
gritar assim.
paredes sujas
das palavras
que escrevi e rasurei.
o teu nome
foi tantas vezes
escrito e tantas
vez proscrito
da minha memória.
mas há chagas
abertas por dentro
do que ainda não fomos.
nunca seremos
porque já o fomos
nos outros.
fim do mundo
de sonhos.
lençóis lavados
e corpos nulos.
amores sujos.
gente miúda.
poeta e puta
e puta já não
deambula por essa rua.
dissimuladamente
sabemos
que isto pouco
dura.
este mundo
era da tua pertença.
falta de crença
e palavra atirada
para o meio da rua
como a profissional
violada
na sua altura.
poeta morto
na boca que grita muda.
para quê tanta
ternura
e saliva?
livra!
um tiro no escuro
a meia-lua.
assassinei a parede
e nem assim doeu.
resvalámos
o céu.
calámo-nos.
adeus!

segunda-feira, 19 de agosto de 2019

Parêntesis

agradeço à inconstância
o regresso a casa.
a ela por me fazer
ser meu
e tão diferente.
um dia era
aquele que sofreu
e noutro o que aprendeu.
vim ao mundo para
antes de morrer
aprender,
partilhar
e definhar.
não sei ser como os demais.
não sei ser
por muito que aprenda
um dos demais.
vou sozinho
conhecendo-os
a todos.
deixando-me tocar
e dar-lhes algo que possam
levar.
um pouco de diferença
penso.
hoje voltei
para esta casa
que sou eu.
lar de incongruências
tão alegremente
coniventes
e que só em mim
fazem sentido.
tenho as portas abertas.
façamos um
pic-nic de retornos
e um debate
de subtilezas
e diferenças.
venham e tragam
todas as vossas
idiossincrasias presentes
e sejamos apreciados
assim.
regozijam-se!
pois aqui só envelhecem
se quiserem.
aqui poderemos
ser aparentemente
parentes,
e se nem isso,
pelo menos uns
parêntesis
nas linhas
trocadas que também
somos.

domingo, 18 de agosto de 2019

Contemplação

Um banco de contemplação.
Um banco de anos
lado a lado.
Um banco para dois.
Uma paisagem e toda a
sua infinitude.
Um banco sem ninguém
e com ela revisitando-o.
Não estar lá ninguém
é não estarem os dois.
Ainda há um banco.
Ainda há um banco para dois.
Ainda há dois.
E ele sobrevive
ao tempo espojado
para a água e a luz.
Há tempo e infinitude
para quem não está,
contudo, estando.
A esperança é o tempo
bom e a fotografia
o tempo que ali se cristaliza,
pintando.
Até voltar.
Até voltarem...
se forem eles
mesmo que já não
sejam eles.
Não interessa quando.
Interessa um lugar
para ela,
um banco
para no tempo
ir voltando.

Solidão

se de repente
eu fingisse toda
a solidão de um mundo
em mim?

a da mulher
que vive só na mesma
casa com o seu marido.

o marido que foge
para estar só
porque não sabe acompanhar.

o excedentário de
pessoas que quer estar
só e desaprende a estar
com pessoas.

a pessoa que vive
atrapada pela doença
de um familiar não podendo
ter a sua vida.

a que trabalha e trabalha
porque o amor deixou
de preencher tantos
vazios como o trabalho.

a solidão de quem treina
a solidão e mesmo assim
desanima.

o velho que morre aos
bocados num lar
esquecido por nós.

nós que morremos
aos bocados por sabermos
disso.

a solidão de um pedinte
que é tornado invisível
no meio de uma
multidão de solitários.

e eu que morro confiante
aos bocados da minha
solidão sabendo
que morrerei só,
quem sentirá a minha
falta?

sábado, 17 de agosto de 2019

A Norte do Hemisfério

deixar ir.
deixar voltar.
deixar.
deixar de deixar.
cheio de empatia
e cheio de deixar.
opostos
e agosto é um
verão por se achar.
anda o tempo
louco connosco.
quem é que se devia
queixar?
quero o teu pescoço
e a beleza do teu
rosto
as minhas linhas
decalcar
um beijo molhado
em agosto
e por setembro
voltar a ser verão.
mas não!
é só mais uma
adaptação
e eu a ficar velho
para tanta complicação.
o amor era mais
verdadeiro
quando sabíamos
da nossa estação.
agora sou apenas
um apeadeiro...
um velho terreiro...
sem convicção
da frente quente
ou do mar encarpado.
vem desaguar
para este lado
se és doutro hemisfério.
para troca de beijo
ou talvez algo mais
sério.
a sério! sou agosto
a norte do hemisfério.

sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Usar do Recato

usei o recato.
afasto-me para não ser
a explosão de excessos
que sou.
a beleza da dádiva
fica melhor contida
e o bem
é um manifesto
de eufemismos.
sempre que o excesso
for exaltado
ele será prenúncio
de amor.
por isso é que ele
é raro.
como eu.
como o "nós"
que as pessoas colocam
nessas parelhas
como aparelhos
de felicidade.
usei o recato
para mais do que ser meu,
de mim próprio,
para que todos os outros
fossem a sua própria
pessoa amada.
resvalo
do amor próprio,
propriamente do amor
que uns têm
pelos outros,
para o amor ao próximo
cada vez mais
desapegado,
sem afecto mais
do que ao do lado
e o da frente e
os de todo lado.
um coração que se
multiplica assim
deixa de ser físico.
mas não quero!
quero que o meu
corpo seja ainda mundano.
usado
e gasto.
mas o coração
(esse desgraçado!)
foge para o universo.
foge para além
do físico e da química.
um dia amei
e lá ficou esse tipo
de amor.
agora sou só carne
ou espírito.
até que um
vença o outro.
ou até que um
sobreviva ao outro.
guardei-me ao recato.
dei-me de barato
pelo alto
preço a pagar
dos amores
terrenos.
aceno com
o corpo
e volta-me o universo
a encher o copo
das coisas
infinitas.
e eu nem sequer sei
ser finito.

quarta-feira, 14 de agosto de 2019

O Amor Cresce?

a mulher de um homem
ausente.
a mulher ausente de
um homem.
a ausência
que se fez entre
homem e mulher.
a presença de alguém
na ausência deste
ou daquela.
a presença de
ninguém na ausência
deste ou daquela.
a persistência
do bem
de quem não quer mal.
a persistência
do mal
de quem não quer mal.
a persistência
de nada melhorar.
de amar mais
quem merece.
de amar o mesmo
de quem não merece.
de deixar de amar
para quem de nós
lá do meio desaparece.
e o que acontece
assim?
e o que desconhece
de mim
que não sabe
ficar sozinho?
e se sozinha
te encontras acompanhada?
e se...
e se isto desse em nada?
era algo a tentar.
dar em nada.
do mesmo nada
daquilo que já nada
acontece.
mas em novo.
em outro.
tudo se transforma.
para quem teme
ficar
e ficar velho
do que não renovou.
o amor cresce?

algo

diz-me algo que te faça arder.
algo que possa em combustão cantar nas matérias mais inflamáveis.

algo que te faça deitar a meu lado,
e por outro lado me levar a derreter.

diz-me algo para te elevar a algo para além de mulher e a mim a pouco mais que poeta.

diz-me algo que me submeta ao silêcio cúmplice de te fazer transbordar.

diz-me algo ou para sempre te remetas ao silêncio do lume brando.

Voltar a Atrasar

volto sempre a ti.
seja num reflexo
num acto reflexo
num amor olvidado.

cheguei atrasado
à nascença
e por consequência
tudo se atrasou
por inerência.

perdi-me,
ganhei-me,
perdi-me em ti
e ganhei-me em ti.

ainda não bebi
café e já tremo.
ainda não te vi
e já quero voltar
a viver tudo.

tudo de novo
e deixar bem claro
que nada desejo.
é de defeito
e o feitio não é para
aqui chamado.

[recebo uma chamada]
és tu! és tu!
...não és nada!
de novo esperava
ouvir a tua voz
pela calada.
mudou. ficou
muda
a minha alma
amada.

contrario-me
propositadamente.
não concluí
os meus erros
a tempo
e culpo-me por ser
o pior.
por chegar sempre
atrasado
aos meus defeitos.

o cosmos
ou a senhora das
cartas
devem gritar
horrores de mim.
foi sempre
assim.

até no defeito
de a destempo
dizer que te amo.
não cheguei
a tempo
e volto de novo
para lado nenhum.
nem a ti
nem a mim...

a lado nenhum.

terça-feira, 13 de agosto de 2019

Latejo

latejo.
não vejo
a hora de chegares.
não posso
perder o ensejo
de mudar destes
ares.
já não se suspira
como dantes.
só quando aqui
passas em frente.
e junto à lua
na rua do meu
encanto.
brisa.
vento.
oportunidade
tua de seres tudo
enquanto a noite
é nosso invento.
lamento
não ser mais.
mas vais
passando
e os meus olhos
serem
futuro
e teus que levas
sem saberes.
que encanto!
entretanto,
e por enquanto...
latejo.

de brisa em costas

amar como
se não existisse
o fim.
como se os medos
fossem o próprio
amor
e nele se rendessem
e se tornassem
a razão de nos
expurgarmos
um no outro.
ficámos com este
amor de espaço
e de ausência.
nem se marcava
presença.
apenas a subtileza
das brisas
que se sabem sentir.
continuo a soprar-te
as costas.
continuo a não
ir para lado algum
senão onde devo estar.
e estar pode ser
partir
ou ficar sem se ver.
soprei-te uma
brisa nas costas
para que não tenhas
medo.
dedo ante dedo
deixei
que nos fizesses tarde.
ou nunca.
mas uma brisa
nunca esteve
se alguma vez
a não sentisses
pelas costas
e pela nuca.
usa como as vestes
que te desnudam
e assume que somos
frágeis.
que juntos somos
pele e o nunca.
a purga do amor
e as delicadezas
com que nos
fizemos livres.
amar o corpo
porque a brisa
é a coisa mais
táctil que poderemos
alguma vez ter.

segunda-feira, 12 de agosto de 2019

minimalismo

a culpa é do café.
do acúcar.
do gosto exponencial
das coisas simples.
a única coisa exponencial
a que nos devíamos
submeter
é o sentimento que
se engrandece
no sentido igual.
um ou mais
dos que nos
querem bem
e do que a circunstância
permite.
o que nos divide
é também o que
nos expande.
e no entanto
exponenciamos
tudo o resto.
volto para dentro
e resumo
ao minimalismo
das minhas coisas
e pronuncio
amor
como sei melhor.

Mundo às Costas

quem somos afinal
quando nos cruzamos?
quando queremos
é fugir
ou ser cativos de algo?
sou livre.
tu livre queres ser
sem certezas
se és cativa.
cativar-te
é oposto de capturar-te.
amizade é oposto
de prisão.
venha o silêncio
e a omissão.
vem se te apetecer
ou mesmo que não.
há uma mundo
cheio de ventos e
intempéries que trazes
às costas.
eu sou aprazível
e um fundo
sem fim
para atirar as depressões.
troco por sorrisos
e desobrigações.
sou amigo e amante.
sou aquilo que pedes
mesmo não sabendo.
dá-me os teus silêncios
para a poesia
mas os gritos em surdina
também.
reciclo tudo
e dou-te mais em sorrisos
e prazer.
até onde quiseres.
até onde viste
reflectida a liberdade
de onde tens de estar.
vem se "aqui"
tiveres de estar.

domingo, 11 de agosto de 2019

olhar-me por dentro

senti o teu olhar
dentro de mim.
não me vês
mas aqui estás
tomando
todos os meus
recantos
e recônditos
desejos.
nas ruas sem
sentido vive o meu
desconhecimento
como olhos tais
quais os teus
retirando o peso
das pedras
e sinuosos caminhos
por onde já passei.
voltei
a casa.
estou aqui
e o teu olhar
tem um lar
ou todas as avenidas
minhas de voltar
a prolongar.
vem. não te detenhas
só com o que
esses olhos têm
para desencantar.

sábado, 10 de agosto de 2019

Girassol

és íntegra.
como a verticalidade
do girassol
e amplitude dele
se rodar aos dias.
bela ergues-te
e deitas-te igual.
mas diferente
porque não podes
ser os mesmos
dias.
os dias não se querem
iguais
só para os demais
que esperam que amanhã
chova
quando queriam sol.
pois, girassol,
ainda assim te ergues igual
mas diferente nos dias.
orgulha-te de não ser
dos temerosos
mas de ti,
dessa altura tão
honesta quanto bela.

incendiaram a memória

aperto-me aqui
para esta velhice
da memória que
não me atraiçoa.
o coração que tantas
vezes voa
com os pés no chão.
resiliência e perdão.
a mim aos outros
e a falha de novo
a minha e a dos outros.
estamos loucos
e sãos
estamos todos
sem coração
ou com o coração na boca.
pouca atenção aos detalhes
e ao que aí vem.
o meu amor
anda guardado
e não volta
para não se tingir
desta má criação.
deste meu eu
e desta gente
da pior da minha
geração.
queima-se tudo.
vende-se tudo.
e cantamos
e dançamos
porque ou estamos
limpos
ou sujeitos
à desinformação.
vou fugir contigo
amor
para algum lado
onde não arda
ou nos matem a
memória.
estou a ficar sem história
e nada para contar
amanhã.
contas comigo
amanhã?

quinta-feira, 8 de agosto de 2019

Fugiu com o seu coração

fiz um pequeno poema
de ti fugindo.
fugindo para dentro
de ti como quem corre
o mundo e no fim
o mundo só acaba aqui...
onde tudo começas
sem dor
e com o amor que
enfim acabou no começo.
nada acaba ou é retrocesso.
é que há quem seja avesso
a ficar estagnado.
emperrado pelas
suas próprias decisões
de amor.
há quem vá e não volte.
há quem vá indo e
voltando.
há quem nunca chegou.
há quem nunca chegou
a partir.
sê o que ainda não
foste
se partir
para ti for voltar
a ser o futuro.
este entretanto
que de obscuro
afinal és só
tu sem medo
e sem apuro.

balada de um filme inacabado

há sempre uma balada
nova. uma nova chama
que cede à erosão
do tempo. a mulher
apaixonada que já não
mora nesse bairro do
amor. apesar de lá ter
morada, apesar de lá
levantar o correio
endereçado. mas ela
volta, seja para ver se
ainda lá a luz se faz
presente. se de repente
as paredes confessassem
os gemidos amados
do passado. mas são
memórias. há correio.
há um terceiro
que sopra palavras
suas pelo vento.
é preciso ter tento
na língua e tanto
que o silêncio
pede para desprendê-lo.
mas se há vida
nessa casa volta
mas não olvides a graça
duma balada
que triste se faça
bela.
como tu, musa
de um cinema
inventado por mim.

quarta-feira, 7 de agosto de 2019

Poema dos 5 Sabores

5 sabores para
uma paixão arrebatadora,
- não sei se de mim,
de quem ou da Senhora-.

AMARGO o sabor
ao peito, o deleite do
café que eleva
o coração lá ao pé.
por que se junta açúcar
se a dependência
junta já
coração ao peito?
há este outro jeito
de deixar o corpo
comandar. mas temos
sempre algo para adicionar.

ÁCIDO é contrário de
plácido, a calma
de o corpo se alongar.
somos laranja ou limão,
citrino à mão de semear.
no fígado a calma
é a intenção.

DOCE como se fosse
a senhora só de se explanar.
vestiu-se de cebola,
subiu à abóbora e foi
dançar.
o Baço e o Pâncreas
pediram a sua mão,
um e outro em cada
situação, doces,
mas a noite fez-se
tardia e o corpo
dela pedia
mais de outros sabores.

PICANTE, não obstante
saltou à vista o vermelho
gritante. o cabelo ruivo
de Medusa e um pulmão
enorme para inspirar.
expirou o corpo, a caixa
toráxica,a vontade que
grita.

SALGADO o mar que me
faz mergulhar. Picante
com sal, vermelho com
azul e a líbido acalmar.
não há meio se é
do fundo, do sexo
o salgado exalar.
Senhora Medusa dos
5 Sabores,
um mundo num prato,
a fome nos olhos
e a mesa um
universo a explorar.

terça-feira, 6 de agosto de 2019

alva olhou azul

sopra por entre realidade
e a poesia dos atentos
as cortinas de linho
finas, alvas
contrastando
com o azul
do fundo das águas
pouco profundas
da sua passagem.
ela arde mas apenas
a preciosa esperança
da atenção.
da intenção de lhe
soprar poemas
que façam acreditar
nas coisas tão
iluminadamente
claras.
aos olhos dos atentos
e das suas chagas
que fiquem soldadas
ao metal
de dureza ríspida
e das respostas erradas.
não há respostas
erradas!
ha perguntas mal
colocadas
que fazem as brisas
seguirem até ao último sopro.
só até chegarem os atentos
e talvez quem sabe
o sorriso no rosto.

segunda-feira, 5 de agosto de 2019

Fome de Dançar

quer-se a boca
para a fome
como tomar esse ar
que se quer puro.
como o beijo ser
um juramento
de partir
e dançar
voltar e dar outro
pé de dança.
a vista alcança mais
do que os olhos
dançam.
eles comem com
o corpo que
esfaimado
quer mais corpo
num copo de vinho e
comida da terra.
sei pouco de fome
mas sei dar
de comer à vista.
uma pista,
quando se balança
alcança em cada
extremidade
dois seres,
um que canta
outro que dança
e uma fome de conhecer.

sexta-feira, 2 de agosto de 2019

mudo(-me)

odeio-me por ter
de ser eu
e esta imensidão
de qualidades.
nela surgir um fundo
que se transformou.
uma qualidade
com reverso da medalha.
uma qualidade
espalha-brasas
e que serve para
pôr a nu a verdade
e também
expôr-me como
um arauto da crítica.
um abuso na boca
de quem acredita
no bem de se ver
e uma acusação
no olho de ver
além do belo.
fiquei feio.
e odeio.
mais odeio que a verdade
seja tão pintada de
crença
e de esperança
numa tal humanidade.
um merdas brindado
duma autoridade
que em nada serve
uma comunidade
de "deixar-estar".
sou quem odiava
encontrar um dia
e agora não há
volta a dar.
um amor de pessoa
com o defeito
da verdade.
um solista
que acomete o próximo
da fuga.
da rusga.
que suga uma tal
de felicidade.
mesmo que a dê
em doses exageradas.
mesmo que seja
generoso.
mesmo que sabendo
melhor fique calado.
estou errado
e todo o mundo
merece acreditar.
eu estou mal.
eu mudo-me.
mudo para onde
a verdade dói
mais.
para dentro de mim.
eu mudo(-me).

quinta-feira, 1 de agosto de 2019

Terra Amor

digamos que é verdade,
que o que como
me aqueça o coração,
ou me previna o corpo
para a doença.
digamos que o certo
é fazermos tudo
bem e ainda assim
não chegar.
mas trago o mel na
boca que tantos
sons evoca.
sou eu natureza
e deus da gente rouca.
sou a pertença de mim
num céu que continua
para além de mim.
sou minhoca.
sou erva.
sou nada do infinito
e tudo do agora.
sou e não sou
quem te ama
porque eu sou
e não sou amor.
a terra a que ainda
pertencemos
é a alma
e quando acabar
somos nós o fim
da incompreensão.
mas afagamos
o coração com a crença
e a vontade.
e a humildade
de quem não desarma.
de quem a própria
espécie não desama
e mantém a chama
uma luz
uma ínfima esperança
de ser sempre
mais um
que te ama.