sexta-feira, 16 de agosto de 2019

Usar do Recato

usei o recato.
afasto-me para não ser
a explosão de excessos
que sou.
a beleza da dádiva
fica melhor contida
e o bem
é um manifesto
de eufemismos.
sempre que o excesso
for exaltado
ele será prenúncio
de amor.
por isso é que ele
é raro.
como eu.
como o "nós"
que as pessoas colocam
nessas parelhas
como aparelhos
de felicidade.
usei o recato
para mais do que ser meu,
de mim próprio,
para que todos os outros
fossem a sua própria
pessoa amada.
resvalo
do amor próprio,
propriamente do amor
que uns têm
pelos outros,
para o amor ao próximo
cada vez mais
desapegado,
sem afecto mais
do que ao do lado
e o da frente e
os de todo lado.
um coração que se
multiplica assim
deixa de ser físico.
mas não quero!
quero que o meu
corpo seja ainda mundano.
usado
e gasto.
mas o coração
(esse desgraçado!)
foge para o universo.
foge para além
do físico e da química.
um dia amei
e lá ficou esse tipo
de amor.
agora sou só carne
ou espírito.
até que um
vença o outro.
ou até que um
sobreviva ao outro.
guardei-me ao recato.
dei-me de barato
pelo alto
preço a pagar
dos amores
terrenos.
aceno com
o corpo
e volta-me o universo
a encher o copo
das coisas
infinitas.
e eu nem sequer sei
ser finito.

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