quinta-feira, 31 de janeiro de 2019

Os lábios

Beijos que ficaram
na orla do quase.
Se a gente conversasse
mais
ficava por trazê-lo
à baila.
Ficámos calados
a ver o tempo a passar
naquele meio segundo.
Parou tudo!
E até nós
naquela sequela.
Éramos muito miúdos
e eu já não tinha idade
para brincadeiras.
Avancei mais de
um milhão de vezes
antes de sequer estarmos
juntos.
Quando dei por mim
já tinha mais 20 anos.
O beijo, como os lábios,
uma fotografia mental
vívida como da primeira vez.
Eu ainda beijo
assim...
muitas vezes sem lábios
e com a memória
mais clara
do que o sangue que me percorre
quando me lembro
dos lábios.
Os lábios.

segunda-feira, 28 de janeiro de 2019

Romantismo de Meia-Luz

Romantismo
de meia-luz.
Saudade é terra
onde o sol se pôs
e o cinza
é a vida que mais
se vê.
Uma luz baça
uma memória
de meia-luz
meia-lua
meios de nós.
Dores que me saem
do corpo.
Prazer transformado
em fogo de cremar.
Morte lenta
e luto de viúva.
Vulgo viúva.
Vulgo vulva.
Vulgo vulgar.
Lugar onde tento
de novo, alguma luz
fazer entrar.
Saudade é terra
de finar
e no entanto
vivo.
Viúvo do meu
próprio pesar.
Acordei na meia-luz
do romantismo.
Um que fui
que morreu
e deu lugar às mortes
da saudade.
A idade de saber perder
e voltar a sentir
falta.
Alta médica
e saúde mental.
Algo vai bem
neste local
onde a saudade já
não mora.
É mórbida
e imoral.
Mas é de viúvo
vulgo,
vivificado.
Saudável.
Saudoso.
Saudade.

quarta-feira, 23 de janeiro de 2019

Indígena

O exotismo
é raro na terra
de quem vê
caras nos corações.
E quando chega
escolhemos os olhos
que rasgados
nos fazem perdidos
para lá dos oceanos.
Para lá dos anos
no peito
carregamos
anseios
e enganos.
A beleza é mais
do que a pele.
É a carne que dança
com o ventre
das terras
conhecidas
nos nossos mares
de ir.
E voltamos indígenas
por o exotismo
nos querer.
Nos fazer ir para
voltar.
De sermos diferentes,
nos seus
olhos, olharmos.

Aleatório

Sou o aleatório.
O que nunca fica para
história
mas inolvidável.
Uma música que roda
na lista contínua
duma plataforma.
Uma canção que contorna
a solidão
e que cedo canta a
paixão
e depois cede ao
coração.
E os outros corações
e corpos que cedem
à tentação
de nos disfarçarmos
de eternos.
Deixo a coisa pelo
externo
e o extremo amor
à liberdade.
Deixo ao peito e
ao peito ser
aberto e a balas
de quase-amor
quase-dor.
Logo eu que sou
de extremos.
Aleatório!

terça-feira, 22 de janeiro de 2019

Contagem Decrescente

colocaram-nos
contadores decrescentes
à vista.
placebos para nos
distraírmos até chegar
o amor.
ou que passe a dor.
ou que disfarce o odor
da morte
que nos fina
antes da vida
que nos defina.
faltam 15 segundos
para abrir o verde.
se eu souber
não vem tarde.
faço uma métrica
da espera.
calculo o que a paciência
pudera ser.
se a dor reduz
do tempo
que já não seduz.
faltam poucos segundos
e vou saltar
para mais uma contagem
decrescente.
que me reduza
o tempo
de espera
e o tempo
de chegar ao fim.
vou devagar
como o velho
que vê os detalhes
todos antes de sumir-se.
ele vê Deus nas coisas
mais no que na certeza
de O ver.
Eu não perdi fé.
Acredito na contagem.
Deus queira que não
acabe!
Deus queira
que eu passe a árvore.
e depois a folha
que arde nos fogos.
que me faça cinza
e cores
doutros seres.
serei eu também contador
de histórias
que morrem com a gente
ainda antes
da minha última
contagem decrescente

sexta-feira, 18 de janeiro de 2019

Poesia Rezada

Venerar a solidão
é bênção suficiente
de nos encontrarmos
com os que queremos
amar.
Com os que nos amam.
Passo este meu
tempo a sós.
Contemplo tudo no
nada.
Vejo o tempo a passar
desfiando-se do novelo
que nasceu farto e enleado.
E passam os amores
e as dores
e a morte distante
vive em cada segundo
respirando
sobre o pescoço.
Avisa-nos que acabará
um dia destes
e que os que amamos
que fiquem nos nossos
corações.
Rezo à poesia
porque me perdi de Deus.
Desconheço-o e a Sua
vontade.
E no entanto,
respeito a Sua não existência
tal como a minha ignorância.
Resumo-me à fatalidade
de o fim
como ao amor que tenho
pelas horas que passam
junto e longe
dos que amo,
ou daquilo que sinto ser
amor.
Amo menos
e Amo mais
e tudo pelo meio
que nos possa dizer
que nos cruzámos
e nos fomos importantes.
Este é o meu manifesto
de felicidade perante
esta doença que é
existirmos no  mundo
e a nossa falta de respeito
para com o lugar
que nos deu à vista.
Talvez esteja certo
sermos errados
e a improbabilidade
de termos Sido
se mantenha nessa continuidade.
E amar é um suspiro
que cuidamos
nos pequenos,
nos velhos
e na beira-morte.
Que morramos tão felizes
como a vida
suave que nos compromete
com dores
e sensações.
Orgasmos para renascer
e filhos para nascer.
Vidas que venham
e que fiquem quietas
antes da vida.
Isto é o que somos.
Esta é a fraca matéria
de que somos feitos
e um deus é uma invenção
para não morrermos
tão rapidamente.
A energia é pura
mas nós não.
Alguns um dia prevalecerão
mas nós não.
Nós não.

segunda-feira, 14 de janeiro de 2019

Núvens Arco-Íris

E da segura mulher
cai um pranto
das núvens
arco-íris.
Naquele seu canto
de espelhada cor
transbordou um laivo
de dor que não quis.
Um clamor pela
ideia de amor
que se escapa das
pessoas e do ardor.
Fica-se cada um consigo,
uns mais com os
outros
pelo tempo dispendido.
Foi para sempre
e com lágrimas
de regar a semente
do futuro e do
augúrio
futuro até ao presente.
É ela presente
constante de quem
lhe cative o sorriso
íntimo, o corpo
e o amor de sempre
para sempre.
Assume de frente
o que também
a deixa descontente
e no entanto
diz Presente
mesmo quando tem
de ir.
De ser na felicidade
"pedigree"
e saber-se distante
da tristeza.
Mas arruma-se
a dor com o tempo
e com a clareza
de que tudo que nos
quer bem
no céu
volta a nós na terra.
No canto
que a voz encerra
com um pranto de saudade
e de espera.
De um dia voltar
a pessoa numa amizade
sincera.
É tudo o que um dia
a gente
(a gente de boa mente)
simplesmente espera.

quinta-feira, 10 de janeiro de 2019

As horas que não importam (mais)

As horas passam
quando os dias não nos
importam.
Temos alegria na luz
que mais um dia
se faz de sol.
Que somente os corpos
apartam.
Que desatem o novelo
enrolado
do tempo desconchavado
das nossas imperfeições.
Que corramos com paixão
se a mente vai no peito
com decisões.
Se o peito
teu é eleito
de a mente se encostar.
Se aceito ficar longe
porque sou sujeito
de um predicado
que não dá mais.
Mas que corre
com a alma de quem
vai desenfreadamente
longe.
Hoje
como ontem
e o sol
quando se escondia
nas tuas costas.
Quando eu sou
tudo
e tu sempre mais.
Sempre correndo
quando os dias não nos
importam.
Não nos transportam
mais.

quarta-feira, 9 de janeiro de 2019

viúva

fazia anos que ela
não sabia dele.
tinham-se perdido
de amores um do
outro.
a tal ponto,
que um dia,
também se perderam
um do outro.
amor é tanta
vida
que desaparecemos
de nós para sermos
um corpo estranho
que daí nasce.
Mas por vezes, néscio,
ele tende a não
ser mais vida
do que morte,
deixando no meio
do mundo, meio nu,
quem sobreviveu
tanto com vida
como com morte.
E com todo o amor
e o que isso
enfim valha.

terça-feira, 8 de janeiro de 2019

Olhos geminados

Quantas vezes pode
o raio cair
no mesmo lugar?
Quando ainda ontem
era amanhã
e a inocência
deixou de ser
importante.
Foi depois do primeiro
raio. Anos depois.
Depois de crescermos
crenças
e delapidarmos
presenças.
Corre tudo em sentido
caótico
díspares na assumpção
do fenómeno.
Como podem os seres
serem clarivedentes
quando encadeados
pela segunda vez...
onde o raio atingiu
o mesmo lugar
pela segunda vez?

domingo, 6 de janeiro de 2019

Paridos

Perdeste tudo.
Com as mãos abertas
em ferida
e palma de sal
querias correntes
e tiveste-as todas.
Rei e senhor neptuniano
de todos
os
mares
mas com mãos
de mortal.
Não é o cosmos
nem deus
nem o fim do mundo
no horizonte
de si plano
que te garantirão
as audácias.
Não tem de haver um
plano
nem tem de descer
o pano perante
tanta apatia.
Tem é de haver
nervo
e fantasia.
Tem de haver dor
para que o mundo
seja redondo
para voltarem a si
como o futuro
prometia.
Intenso é pouco
quando o fogo
deflagra.
É boca amarga
e ferida aberta
nas mãos
de quem tem os mares
cativos.
E os vossos gemidos.
Salitra aos litros
na vossa boca devolvidos.
E as filhas
pelas correntes
paridas
devem ao mundo
os gritos
de quem gosta
de sofrer
(um pouco
ou tanto)
para ser "daquela"
felicidade.
Há tanta falta
de audácia
e tanta falácia.
Tanto
que as bocas sedentas
- esfomeadas -
amordaça.

quarta-feira, 2 de janeiro de 2019

Universos Paralelos

vem.
vem para aqui
onde tudo
começa a fazer
sentido.
livres seremos
só nossos
e nunca um do
outro.
seremos de
mundo para cima.
seremos
universo
paralelo
e infindável

e se não,

teremos experimentado
ser infinitos,
e que partilha!
e que maravilha
que demos um
ao outro!
já ultrapassámos
a vida juntos.

sobreviveremos.

terça-feira, 1 de janeiro de 2019

Estilhaços

Os poetas estão condenados.
Atiram pedras aos espelhos
que se espelhando
entre si
fragmentam ainda em mais
multiplicando
o narcisismo.
Procuravam as pessoas
olharem-se para dentro
e estalando o vidro
as multiplicaram
em milhares de pequenas
amostras de si.
Não viram nada
senão pisar o vidro
que restava da sua vaidade.
E o poeta no canto
cravado de vidros
sabia que estava condenado
a sofrer da beleza
que lá dentro já ninguém via.