domingo, 30 de junho de 2019

Ausência Partilhada

Circunscrevi-me
à minha malograda
ausência.
Desisti à falta de
presença dos outros.
Enquanto houver
ruído à volta
em quantidades tão
generosas como
a presunção
de conhecimento
farei cortejos fúnebres
às fantasias
tentando ser poeta.
Não será grande coisa
quando comparado
aos grandes amores
mas é o que a vida
me deseja.
Caminho para amar
esta solidão
tão profundamente
quanto à ausência
alheia.
Descanso em paz
nesta morte
de vida acompanhada.

crónica de um amor-metade

há amores
que terminam
por nunca terem sido
a verdade
duma metade.
há de continuar
assim enquanto
o amor à liberdade
for a companheira
dos audazes
e dos solenemente
solitários.
sim sou eu
mas não serei eu.
nunca serei eu
apesar do amor
de um mundo inteiro,
das riquezas
criadas pelo roteiro
à experiência
do nosso interno.
do nosso próprio
extremo de aventura.
há viagens a dois
aos confins
de mim.
e de ti.
mas o tempo
só permite
partilhar.
partilhei o meu
melhor contigo
sem que isso de muito
pareça valer.
valeu.
seguiu.
voei.

sexta-feira, 28 de junho de 2019

por tudo

por ti
pelo teu jeito
pela falta de jeito
pela forma como lês
pela forma como
eu desconheço
o que é ler
pela forma como
escrevo
pelas vida que
levaria a ser um nobel
pelas vidas que trocaria
por ti
pela vias mais intrincadas
de chegar a ti
pelo amor
que tenho a cada uma
de ti
pelas vezes
que desapareceste
pela tua vida
pela nossa química
pela espera
pelo desespero
que afinal era anseio
pelas escolhas
erradas que deram
em nós
pela minha idiotice
e a pessoa menor
que sou com as outras
por ser melhor
contigo
com todas as
que és e que me ama
pelo meu coração
que necessariamente
tem de ser enorme
para caberes com
todas elas em mim
pelo coração ser
gigante
que afinal tinha
de te encontrar
com todos esses corações
porque só tu
me és a inocência
porque só tu estiveste
lá comigo
mesmo antes de
eu me conhecer
mesmo antes
de te conhecer
pelo amor
que ainda vou
descobrir em
mim
por ti
pelo amor que ja me tens
no futuro
pelo amor
que ultrapassou o tempo
e afinal sempre
houve
e esteve aqui.
por ti
e todas de ti.
por ti
só por ti
Amor.

quarta-feira, 26 de junho de 2019

Sumptuosos Prazeres

Lembras-te dos gestos
ardilosos com que
enganávamos
os preceitos de bem
e fazíamos tremer
a intemporalidade?

Vilões duma tragicomédia
que insistia em se
precipitar na separação
dos corpos
mais cedo ou mais tarde.
E fomos corpo.
Foi de tão pouco tempo.
Do tempo certo
para não cair em monotonia.

Fazíamos amor
como quem vai a um museu
e desenha um buço
na dama do quadro.
Beijávamos como
se ninguém passasse na
rua.
Invadíamos os cantos
recônditos
com se a rua fosse
só nossa.
Não tínhamos entraves
para sermos para além
das nossas fraquezas.

Deixávamos as defesas
para quando voltássemos
da loucura.
Da físico-química
do nosso descontrolo.

Lembras-te de perdermos
horas em viagem
tocando o outro?
Do martírio de
nunca mais chegarmos
e de não podermos parar?
Adorava não parar!
Desse tempo perdurar
e o corpo dar lugar
a um êxtase
de não vir.
De não chegar
e estarmos sempre a partir.

Lembras-te quando já
não éramos o mesmo
corpo de corares
violentamente
como se eu ainda te tocasse?
Fiz de conta que não
notei...
estavas noutra vida
e para mim guardei
que a viagem não tem
corpo.
Tem presunção
e segredo.
E é mais forte
para lá das nossas
fraquezas.

terça-feira, 25 de junho de 2019

rimar lábios

não te detenhas.
vem.
sem reservas.
sem promessas
mas sem grandes
conversas.
as palavras ficam
aqui como a prova
de que o silêncio
só é belo
com poesia.
por isso vem
sem palavras
e traz essa boca linda
para me roubares
o fôlego
e a rima
com os teus lábios.
não vamos a lado
nenhum senão
onde devíamos
estar.
beija-me
ou cala-me.
mas beija-me!

sábado, 22 de junho de 2019

Volúpia

Foi do teu corpo
que o pecado
se fez em mim
mulher.
Perdoai-nos os deuses
da conveniência
púdica
a excitação de nos
intrometermos
uns nos outros.
Somos todos
perdição na multiplicação
e nada sem nos
encontrarmos.
Marcámos hora
e faltámos ao toque.
Fomos a reboque
de exaltação.
Não houve hora
para começar
e ainda não sei
se daí saí.
Ainda te sinto
múltipla em mim
pela tua graça
de lá dentro
seres sol
e universo.
Rezo um terço
do que devia
só por aclamar
o teu deus.
O teu corpo
afinal era espiritual
servindo
a carne.
Dá-me de comer
à boca
e faz-me feliz de novo.
(dá-me!)
Eu espero mais um pouco
para que este mundo
louco nos volte
a reencontrar
mesmo que dentro
de mim habites
húmida.
E daí a dúvida.
Quando vens de novo?

sexta-feira, 21 de junho de 2019

Perdi-nos

Lembro-me de mim
em ti.
De quando eu me sentia
de alguém.
Só se pode saber
isso sentindo-nos
lá guardados
e preservados.
Lembro-me de cuidar.
De ser perfeito
por pouco tempo
e evitar ser pecado
por muito.
Ser um bocado
por muito.
Ser pouco por
muito.
Ser tudo para ti
por esse período.
Ainda me lembro do
que é ser amado
e isso me poder
levar...
acompanhar... aos meus
últimos dias.
Lá estarás
guardada em mim
para que eu não
acabe só.
Espero-te feliz
nessa outra vida.
Ofereci-ta mesmo
que a não quisesses.
Espero-te feliz
infelizmente.
Ainda não sei
como viver sem ti.
Mas não te espero.
E compreendo

Criação

E o homem
foi feito para criar.
para se suplantar
da morte
- da sua própria
inexistência -
e ser outro.
Outros.
Para além.
Tocar outros
e fazer comunidade
de seres independentes.
Amar é uma multiplicação
só por tocar o próximo.
O início e fim
da passagem para além
de nós.
Vencemos a morte
vivendo até ela.
Criando.
E eu sou tanta vida
em ti.

Desinteresso-me

Desinteresso-me. E não digo com uma suspeita de superioridade moral ou intelectual. Até acho que o mundo está repleto de seres altamente ricos nesses capítulos, muito para além dos meus. Também sei que parte "pintam" um quadro bonito demais para o que são. Mas desinteresso-me. Talvez seja depressão... mas não ligo a isso. Não tenho tempo nem espírito. Estou sem espírito. Estou sem paciência e deixo estar quem vem. E vai. E pouco faço para que fique. E se ficar, quero? Não quero estar afastado de mim e da aventura que ainda possa vir. Mesmo a morte. Essa é para se viver só. Até na dor. Só. Para doer menos a todos. Para acabar logo.
Desinteresso-me porque quero tanto a todos e logo em seguida me arrepender de tanto. De tanto que em nada se deve precipitar. Somos feitos de conexões. As de sangue e de onde para o sangue deveria correr. Para quê? Para sermos mais uns dos outros? Talvez. Talvez eu esteja tão desapegado que estou por minha conta lutando com carne e ardor para ainda me sentir vivo. Falo com as pessoas que sei que vão partir nas suas vidas... e bem. E reencontro-as a espaços. E chega-me. É o maior interesse que lhes entrego e que me suscitam.
Mas desinteresso-me e parece um pecado. Um daqueles de quem já não acredita e ficou com esta vida como prova. Estrelas no céu para metáforas. Vidas passadas para alimentarem a nossa vicissitude e sensação de existência. Tenho pesadelos no labor. Na relação que posso dar aos outros. Deveria me desinteressar. Mas o sangue corre para ali. Onde me agarro com unhas cravadas. (Que nada lhe falte! Que nada lhe falte!).
Que nada me falte para lhe não faltar a ela. E fico com o restante. E o desinteressante eu que só quer dos outros o bastante e o justificado. E basta! E desinteresso-me. E então?

quarta-feira, 19 de junho de 2019

Sem sombra

Não vejo
a minha sombra
no buraco vazio
da tua luz
que para trás
ficou.
A tua luz que lá
se mantém.
E embrenho-me
neste contínuo,
porém
convicto
que a sorte mudará.
Muda sempre
mas a brilho
esmoreceu.
Já não sou eu
nem na penumbra
me reconheço.
Ando avesso com
tudo.
Com sono.
Continuo sem saber
nada e esqueço-me
de tudo que parecia
ser meu.
Mãos vazias
mães desaparecidas
e eu sou a minha
própria mulher.
Valha-me isso
que nem na sombra me
avisto.
Visto-me de negro
e do desapego
à vida.
Ando morto.
Desaparecido
de mim.
Ando morto
para a vida que vem aí.
Se vier.
Se não
desaperto
sem desespero
as amarras
que me prendem
a esta meia
vida de nada.
Esta cilada
de ritmo cardíaco
perpetrada.

domingo, 16 de junho de 2019

Guia para um desamor feliz

não sei de ti
nem muito menos
daquele que se apelidou
do "melhor eu".
o que interessa é
esperar
ou viver ou lado de alguém
de quem nada se espera
e nada acontece.
a aventura padece.
depois no ínfimo
das probabilidades
estarias lá tu.
segura. vertical.
o melhor de mim
em tudo.
eu é que cresci desviado
para crescer torto.
mas crescido,
às vezes morto
noutros renascido.
a aventura conta anos
de solidão
e a sua companhia.
talvez isso também
seja amor.
torpe, mas amor.

segunda-feira, 10 de junho de 2019

Nove de Junho

vou fazer amor contigo
até que não me lembre
mais de mim.
farei as devidas exéquias
com uma celebração
de corpos que serão
um apenas.
farei amor com este
corpo decrépito
uma última vez.
vou oferecê-lo à morte
e à imaginação das
vidas que nele se deitaram.
deixarei de saber o que
era esse amor
essa volúpia como
aprendemos a conhecer
na pele uns dos
outros.
deixarei de celebrar
a idade desta terra
e passarei a ser mulher.
a minha mãe.
a minha filha.
a minha mulher.
passarei a ser algo
que valha a pena
e que tenha procriação
em si.
que seja mais terra profícua
do que esta terra
que mais do que deixou
de viver
passou a deixar
de sonhar.
e eu não quero deixar
de te sonhar amor.

sexta-feira, 7 de junho de 2019

Sonhar-te mais

sonhei contigo.
pela primeira vez
depois de tudo
termos
sido
sonhei contigo.
vou me dissipando
de mim.
sou névoa matinal
em que desapareço
e em ti
acordo.
discordo
com
os deuses.
eles não existem.
discordo do
o cosmos,
ele nada faz.
mas o amor
é capaz de nos
resgatar das decisões
mais certas.
mais cimentadas
e eu aqui como
pedra dura
que se usurpa
da liquidez
da natureza
e da tua realidade.
o sonho
é a minha realidade
crua.
estava guardada
na minha verdade
mais profunda.
mais profícua.
mas não posso.
não posso.
não posso sonhar-te
senão na realidade
não me quererás.
sei que já
não sonhas.
sei que
comigo não sonhas
mais.
não posso sonhar-te
mais.
boa noite.

quinta-feira, 6 de junho de 2019

iogurte grego

quem ama aos
pedacinhos?
quem ama
como se fosse
iogurte grego
com pedacinhos
de morango,
ou arando
ou de tragar
de vez em quando?
e se eu só
tenha jeito
para amar sem
tirar pedaço?
de não estar
sempre colado
e no amasso?
mas o filme
da Disney,
ou a bíblia
não sei,
impuseram regras.
Ai as regras do amor
e os ditâmes
que distribuiram
horrores
nas relações mal
amanhadas.
Nas gerações
de crianças mal
amadas
e do amor
às três pancadas.
sou o amor que não
vem nos livros
nem beijo
de desenho animado.
Sou de vez em quando,
vontade
e complicado.
Simples.
Como iogurte
grego de pedaços
ao melhor
preço do mercado.

quarta-feira, 5 de junho de 2019

não estamos nós

tudo me empurra
para ti.
tudo me diz
que é em nós
que deveria estar.
e eu sou tão egoísta!
tão credor da tua
dor
para viver clandestino
em mim.
num futuro incerto
e por perto
num aperto de coração
sou esta imensidão
de nada sem ti.
e luto mais contra
mim do que a dor
que quis poupar
em ti.
estou falido.
estou sem voz
e sem razão
agarrado ao arbítrio
do meu erro.
a liberdade que quero
mas que um universo
inteiro
diz que não.
presunção e água lenta
que pinga sobre
a sensação de estar
a fazer merda.
mais uma vez!

segunda-feira, 3 de junho de 2019

astros limpos

se eu pudesse amar
de novo outra pessoa
teria que enganar os
astros.
esses olhos
que vêem demasiado
e só me querem
com quem devia ser.
mas eu luto
para valer o
meu livre-arbítrio.
de me fazer meu
e de ser para quem
precise, seu.
ou céu, se é para
enganar os astros
e deixar
em pratos limpos
os desejos
mais distintos.

domingo, 2 de junho de 2019

Retirada

a quem interessa
o meu retiro?
retiro-me de mais esta vida.
fico-me pelas palavras perdidas
e pelo amor desencantado.
aqui comigo
ao teu fado.
sou pardo
perdi o jeito
de alguma vez ter amado.
e se não foi,
foi porque ficou
numa dessas vidas
relembrado.
quero estar assim
hoje. neste dia. nesta vida.
amanhã renasço
talvez,
quem sabe?