sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

o amor é

o amor é uma lista
que acaba na
primeira linha.
ainda que faça sentido
apanhar aquele
comboio.
linha de Cascais
de volta e de ida.
é uma linha
com uma lista de coisas
por fazer.
como o amor.
o amor é uma lista
de coisas por fazer.
uma das coisas
é renuciar a esse pecúlio.

a minha amiga disse-me
para não repetir
e agora repito
linha com lista
e ida que dista
com a memória dela
na volta.
que detesta
e se revolta
de não perceber.
amor é não compreender.
aceitar e depois
espernear.
escarnecer a sorte.
a puta da sorte
e duma mais alta razão
se erguer.
o amor é voltar
à razão. sereno.
terreno de me deitar tesão.
ela vir-se mais do que
a minha exibição.

o amor é ela já ter
tomado
o teu cheiro
o teu sabor
o teu rubor
o teu silêncio
o teu amor
a tua falta de amor
a tua masculinidade
a tua feminidade
a tua palavra velada
a tua poesia
a tua estrada

o teu fim
o teu nada

e tudo ser finitamente
fácil. confortável.
sofá
cama
leito
desnatado.
práctico. táctil.

sonho com
ela de olhos abertos.
olhos verdes
olhos castanhos
olhos lacrimejando
a falta de futuro.
os olhos que lá longe
nunca voltam a se
encontrar no fim
daquela linha.
e no regresso
olhos escuros
olhando-me sujo
higienicamente
impuro
hermeticamente
injuro voltar a ser
de alguém como
de ninguém.
nunca fui meu.

o amor é
não ser meu

se não
tive o que o
inferno
e o céu quiseram
para mim.
e se não vou
para lado nenhum
porque hei-de amar
assim?
de alguém.
de mim ou deles.

o amor é
carne
e lobo que toma
as peles.
é instinto
do animal que fui
contigo.
das presas cravadas
na tua carótida.
fruí longa e rápida
a noite
que em nós nunca
para o dia fugiu.

o amor é
uma lista infindável
que para nada serve
e tu não vieste às compras.
rouba a primeira
merda que encontres
e toma a fome
como a noite que acaba
lenta e rapidamente.

daqui a pouco já
é dia e o amor
ficou no tédio
das famílias
passeando as metas
adquiridas.
o certo de cada ítem
da lista.
nada mais
ou pouco para assinalar.
já não apanham aquela
linha
porque vão de carro
no sentido contrário.
tudo rotineiro, tudo ordinário.

uma pista:

o amor é a noite
listada de dia
que entra pela janela
riscada de tons
no corpo dela
no meu.
o amor é o corpo
que acaba na morte
e nada mais para
além dele.
para além dela.
o amor era...

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